domingo, 1 de novembro de 2009

Memórias de um velho vaqueiro...

De cima do meu cavalo eu via o mundo! via a rês humilhada quando perseguida pela minha tenacidade e desejo voraz de subjulgá-la aos meus caprichos de vaqueiro, ao quebrar seu rabo na minha mão enluvada de couro cru por entre garranchos e carrapichos e os espinhos da Jurema Preta entre serras e serrotes e campinas... Via o meu vigor de sertanejo, de homem do campo nos meus trinta anos de idade resplandecer nos forrós da região, nos arrastapés de chão batido nos braços das mais belas caboclas; nas queda-de-braços com os amigos de farras; na preparação da terra para o plantio, nos fogos de brocas, eu me sentia o próprio fogo queimando no baixio tal era a força que carregava comigo. Com meu traje de mescla, chapéu e botas de montaria,uma doze polegadas na cintura e um revólver 38 carregado até a boca, eu me sentia senhor do mundo. Não temia a fome, a peste, perigo fosse de onde fosse... não temia nada! Nada me amedrontava, me fazia recear, mesmo que fosse de origem desconhecida. Derrubava no braço um touro no mourão! Cortava sozinho a golpes de facão qualquer que fosse a quantidade de mato. Para mim não havia limites! Para mim não havia limites! Das mulheres que amei, não guardo muita lembrança, porque me entreguei por amor a uma delas, e esta se vingando de todas as mulheres do mundo, as que fiz sofrer e as que nem conheci, bagunçou a minha vida e tirou tudo de mim! Tirou-me a paz de espírito e toda a serenidade que um homem deve ter no fim de sua vida.Afastou-me de tudo que eu gostava: filhos, parentes, amigos, o campo.
Estou preso ao passado, recluso no presente, preso numa garrafa boiando num rio, pagando meus pecados por acreditar que não temia nada, que nada poderia me atingir nesta vida, engano meu! A velhice é um mal irreparável, ireversível, não tem escapatória.
Caí do cavalo! Não dancei aquele forró com maricota por achá-la velha e feia! Boi brabo e burro chucro nao foram páreo para mim, a velhice o foi!
Sinto-me invisível, vegetal, esperando o meu dia chegar, sentado nesse cavalo de ferro de quatro rodas em vez de quatro patas, é moderno mas alguem precisa empurrar para se mover; não pulo cercas com ele, nem dou voltas no mourão para amansá-lo, domá-lo, é só não me mover em falso que tudo bem, consigo ficar imune ao perigo, sair sem nenhum arranhão. A vida de um velho vaqueiro resume-se a isso: uma velha cadeira de rodas, muitas histórias para contar e quase sempre ninguem para escutar, para lhe dar atenção, o campo não desperta mais curiosidade nenhuma. É a vida.

Edilberto Abrantes

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